Paulo de Sousa Mendes

A medida da prova judicial - Entre o senso comum e a quantificação das probabilidades

A medida da prova judicial - Entre o senso comum e a quantificação das probabilidades

Está muito difundida entre os juristas europeus a ideia de que o julgador não tem de decidir a matéria de facto com base em intervalos de probabilidade. Essa ideia é alicerçada na constatação de que o julgador – juiz togado ou jurado popular – não é versado os arcanos da matemática, nem nos métodos formais de raciocínio. Mesmo que assim o quisesse, o julgador não conseguiria fundar matematicamente ou sequer formalmente a formação da sua convicção, enquanto juiz de facto.

Mas há uma aporia escondida na recusa de intervalos de probabilidade na formação da convicção do juiz de facto. Na verdade, o cálculo matemático não é indispensável à obtenção de valores de probabilidade expressos em percentagens. Os valores estimados pelo juiz de facto não deixam, por isso, de ser valores aproximados de resultados de operações matemáticas. Acresce que um matemático ou um lógico poderão ser capazes de reproduzir analiticamente o procedimento de formação da convicção do juiz de facto.

Não se pense que a hostilidade à análise matemática e aos modelos formais de inferência factual é exclusiva da mentalidade jurídica romanogermânica, já que também há muitas vozes notáveis de língua inglesa que contestam o “julgamento pela matemática” (“trial by mathematics”).

As críticas ao julgamento pela matemática são muito variadas, mas importa sobremaneira destacar as ideias feitas de que a análise matemática ou formal é necessariamente mecanicista, no sentido de estar subtraída ao juízo das pessoas comuns e de corresponder simplesmente à utilização de algoritmos. Nenhuma dessas intuições é correta, pois mesmo a mais complexa inferência matemática ou formal que se queira erigir a partir de alegações de facto não poderá deixar de basear-se em inúmeras assunções pessoais ou subjetivas. Cabe assim aos matemáticos e lógicos a responsabilidade de explicar de que maneira certos argumentos formais são, a final, adequados aos juízos e sentimentos das pessoas comuns (i.e., não-matemáticos e não-lógicos). Entre outras utilidades, a análise matemática e lógica poderá servir para capturar alguns, mas não todos, os componentes de argumentação que integram os raciocínios jurídicos sobre as alegações de facto.